
Quando o paciente “se desliga” na sessão: o que a Terapia do Esquema pode nos ensinar?
12/08/2025Cada vez mais as pesquisas em neurociência mostram que o cérebro não funciona apenas como uma “máquina de recepção passiva de informações” do ambiente. Na verdade, ele age como um órgão de previsão ativa: o tempo todo formula hipóteses sobre o que vai perceber e acontecer, compara essas previsões com o que de fato ocorre e ajusta seus modelos internos.
Em outras palavras, não vivemos apenas reagindo ao mundo — vivemos constantemente antecipando-o. Essa ideia, chamada de processamento preditivo, tem implicações diretas para a clínica psicológica: explica por que as pessoas mantêm certos padrões de pensamento mesmo diante de novas experiências.
Mas aqui surge uma provocação: será que percebemos o mundo como ele realmente é? Ou será que o que chamamos de realidade é, em grande parte, uma criação imaginária coletiva, construída pelas previsões dos nossos cérebros?
Exemplos em diferentes níveis da hierarquia preditiva
A literatura científica traz diversos exemplos de como o processamento preditivo se manifesta. Esses exemplos seguem uma progressão hierárquica — do mais concreto ao mais abstrato — consistente com a própria arquitetura cerebral.
Nível sensorial — o ventríloquo
Quando assistimos a um ventríloquo, vemos o boneco mexendo a boca e, automaticamente, o cérebro prediz que o som deve vir dali. Mesmo sabendo racionalmente que a voz vem do artista, nossa percepção insiste em “colar” o som ao boneco. Aqui, a previsão domina a informação auditiva bruta.
Nível perceptivo — palavras incompletas
Na leitura, quando encontramos uma palavra com letras faltando, como “ps_cól_go”, nosso cérebro rapidamente preenche a lacuna com base no contexto. Não precisamos decodificar cada letra: o cérebro já prevê as sílabas faltantes e a palavra mais provável.
Nível conceitual — expectativas sociais
O processamento preditivo também opera em níveis mais altos, abstratos. Imagine uma entrevista de emprego: antes mesmo de entrar na sala, o candidato já prediz como o entrevistador deve se comportar — cordial, por exemplo. Se isso acontece, a previsão se confirma. Mas se o entrevistador for frio e distante, o cérebro registra um erro preditivo, que pode gerar ansiedade e mudar toda a interpretação da situação.
Realidade objetiva ou versões individuais?
Se tudo passa por previsões, surge uma questão filosófica inevitável: existe algo como uma realidade objetiva única, ou cada um de nós vive em uma versão própria do mundo?
A neurociência não responde totalmente, mas nos mostra que o que chamamos de “realidade” é sempre mediado pelas expectativas do cérebro.
E isso importa para a clínica?
Na psicoterapia, especialmente nas abordagens cognitivas, vemos o impacto desse mecanismo quando pacientes interpretam situações atuais a partir de previsões antigas que não se atualizam. Alguém com um histórico de rejeição, por exemplo, pode “predizer” que será rejeitado em novos relacionamentos, mesmo quando os sinais atuais indicam o contrário. Esse viés preditivo mantém o sofrimento, ao invalidar o papel corretivo de potenciais “erros preditivos”,mantendo inalterada a expectativa antiga.
Compreender o cérebro como órgão preditivo ajuda o psicólogo a enxergar a resistência, as distorções cognitivas e até a força dos esquemas como parte de um funcionamento básico do sistema nervoso central
Mas, independentemente dos nossos modelos internos, o cérebro sempre estará predizendo e construindo realidade.