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26/08/2020O câncer e seu tratamento levam a diversos problemas físicos e psicossociais, que incluem dor física, fadiga, perda de autonomia, ansiedade, depressão e tensão nos relacionamentos pessoais. Todos, separadamente ou em conjunto, geram enormes impactos na qualidade de vida e são estudados pela psico-oncologia.
Avanços no diagnóstico precoce e no tratamento da doença possibilitaram a existência de mais sobreviventes ao câncer em todas as idades. Além disso, a mudança de foco para uma atenção à saúde centrada no paciente, que prioriza qualidade de vida sobre a expectativa de vida, gerou uma crescente demanda e interesse pelo campo da psico-oncologia.
Diversas sociedades médicas de câncer pelo mundo estabeleceram como meta de qualidade identificar os pacientes com maior necessidade de atendimento a queixas psicossociais. Elas também oferecem guias para nortear este tratamento, para os diversos profissionais que compõem as equipes multidisciplinares envolvidas no tratamento do câncer.
No Brasil, o campo da psico-oncologia encontra-se ainda no berço e estudos aplicados à população brasileira são escassos. Apesar das desigualdades presentes no tratamento oncológico entre pacientes do sistema público e privado no país, é evidente em ambos os sistemas a exigência de adequação de protocolos e estabelecimento de medidas para atendimento a queixas psicossociais. Sempre em consonância com as sociedades internacionais.
Depressão causa câncer?
A prevalência de depressão em pacientes com câncer varia conforme o estudo, isso devido às diferentes ferramentas utilizadas para realização do diagnóstico. Porém, estima-se que o número seja até 4 vezes maior que na população geral. Além disso, diversos estudos na psico-oncologia apontam pior prognóstico e aumento de mortalidade da doença em pacientes com depressão. Não somente, alguns trabalhos também mostraram que o tratamento da depressão gera melhora de sobrevida em pacientes com câncer. (Quer saber mais sobre depressão? Clique aqui!)
Modelos animais demonstram vias bio-comportamentais compartilhadas na fisiopatologia da depressão e do câncer. A principal via biológica do estresse, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, parece estar envolvido em diversos mecanismos relevantes à progressão do câncer, como lesão e reparo do DNA, migração de células neoplásicas, invasão de tecidos e processos imunes. No entanto, o verdadeiro significado dessas vias compartilhadas e aplicabilidade clínica desses achados permanece incerto. Não se sabe se há uma relação direta dessas associações ou se fatores confundidores intermediários medeiam esses efeitos.
Estudos observacionais retrospectivos demonstram correlação estatisticamente significativa entre depressão, traços de personalidade, eventos adversos na vida e desenvolvimento de câncer. No entanto, estes achados podem ser facilmente explicados por viés de recordação (recall bias). Por outro lado, diversos estudos prospectivos falharam em demonstrar a mesma relação entre câncer e aspectos psicossociais. Além disso, pacientes com depressão apresentam dificuldades para lidar com o diagnóstico de câncer. Por exemplo, a desmotivação leva ao detrimento do tratamento adequado e maior risco das consequências da não aderência.
Assim, apesar de interessante campo de pesquisa, a psico-oncologia, essa interrelação entre depressão e câncer não deve ser superestimada. É comum tanto a leigos, como a profissionais de saúde, a sobrevalorização do papel de fatores psicossociais no desenvolvimento do câncer. Historicamente, conceitos como “personalidade do câncer” levaram à atribuição disfuncional de culpa. Além disso, pressionar pacientes com câncer à psicoterapia, exclusivamente no intuito de prolongamento de vida, não pode ser sustentado.
Do ponto de vista clínico, é mais relevante atentar-se para as consequências psicológicas do câncer e do seu tratamento. Esses, por mecanismos fisiopatológicos, atingem a interação entre mente e corpo e os sistemas imune e neuroendócrino. Levando a repercussões abrangentes na saúde mental e comportamento.
Distress
Nem todo paciente com câncer necessita ou se beneficia de psicoterapia. Por outro lado, não são identificados muitos dos que necessitam de apoio psicossocial. O devido reconhecimento de sofrimento mental, nas diversas fases de enfrentamento da doença, é limitado pelo estigma carregado por palavras como “psicológico”, “psiquiátrico” e “emocional”, o que dificulta o manejo.
Para ser utilizado neste contexto, por ser menos estigmatizante e mais aceitável tanto por oncologistas, psicólogos e pacientes, a denominação escolhida foi “distress”. Inclusive, o termo foi mantido com esta nomenclatura, tanto em Portugal como no Brasil, por não apresentar tradução que se adeque à gama de significados a ele atribuídos. Pela definição da NCCN (National Comprehensive Cancer Network), importante sociedade estadounidense de tratamento ao câncer, o distress é definido como uma “experiência emocional desagradável e multifatorial, de natureza psicológica, social e/ou espiritual, que pode interferir na habilidade de lidar efetivamente com o câncer, os sintomas físicos e o tratamento”.
Assim, apesar de não preencher critérios para qualquer transtorno mental descrito no DSM, o distress é resultado de uma sequência de acontecimentos que se iniciam com o diagnóstico do câncer, que levam a uma mudança radical de prioridades na vida do paciente. Essas alterações englobam sua capacidade de enfrentamento à doença de forma multidimensional. Destacam-se os domínios físico, emocional, social, espiritual, existencial, prático, financeiro, entre outros. O distress se estende numa escala, envolvendo sentimentos comuns como tristeza, vulnerabilidade e medos, até problemas potencialmente incapacitantes, como depressão, ansiedade, isolamento social e crises existenciais ou espirituais.
Com o uso do novo termo, a NCCN e diversas outras entidades de câncer do mundo, estabeleceram como critérios de acreditação e qualidade de serviço, o rastreio universal de distress para pacientes com câncer. Foram também desenvolvidas ferramentas com este intuito, como o Termômetro do Distress e a Lista de Problemas. Assim, busca-se proporcionar a atenção apropriada às necessidades psicossociais destes pacientes.
Terapia Cognitivo-Comportamental e Distress
A Terapia Cognitivo-Comportamental tem sido amplamente utilizada e testada no manejo de distress. A TCC envolve a prática de técnicas de relaxamento, incremento de habilidades de solução de problemas e identificação e correção de pensamentos inapropriados associados a sentimentos perturbadores. A TCC visa a redução de pensamentos catastróficos, criando estratégias de aceitação e redirecionamento de atenção. Diversos estudos clínicos randomizados, no contexto de pacientes com câncer, apontam melhora de sintomas psicológicos como ansiedade e depressão, com o uso de intervenções baseadas em TCC, além de sintomas físicos, como dor e fadiga. (Quer saber mais sobre a Terapia Cognitivo-Comportamental? Clique aqui!)
Na abordagem de um paciente com câncer, sempre deve ser levado em conta o cenário específico de tratamento, o estágio da doença, a presença de sintomas físicos de distress e o grau de ameaça existencial. É importante notar que diversos sintomas físicos e cognitivos de depressão, como fadiga, insônia, dificuldade de memória e problemas sexuais, podem ser consequência tanto do câncer como de seu tratamento. Da mesma forma, sintomas de ansiedade e medo de recorrência da doença devem ser considerados inicialmente como respostas adaptativas, ao invés de um medo neurótico ou irrealista. No entanto, sintomas de ansiedade, na forma de Medo de Recorrência, devem ser tratados quando debilitantes. Estudos mostram também boa resposta à TCC para essa condição.
Muitas outras intervenções psicossociais também devem ser aventadas para o manejo específico das diversas formas de distress. Por exemplo, auxílio do serviço social para questões financeiras e cuidados com dependentes como crianças e referência a um capelão para questões existenciais. Também devem ser consideradas intervenções para modificação de estilo de vida, como cessação de tabagismo, mudanças nutricionais e incremento de atividade física. Todos também são associados a melhora de diversos sintomas físicos e emocionais.
A importância da psico-oncologia no tratamento do câncer
Cada vez mais o câncer passará de uma sentença estigmatizante de morte para se tornar em mais uma doença crônica de alta prevalência. Ajudar pacientes a aceitar o diagnóstico e enfrentar a doença, reconhecendo os enormes desafios que ela proporciona, é tarefa que deverá ser compartilhada por médicos, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e as mais diversas especialidades. A Terapia Cognitivo-Comportamental tem se mostrado como uma importante ferramenta do arsenal necessário para este desafio.
Miguel Zugman
Médico formado pela UFPR – Residente de Clínica Médica UNIFESP/EPM
Referências
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